Os efeitos da decisão, no entanto, não são totalmente conhecidos, pois alguns não estavam formulados nas ações do governo do Rio de Janeiro e da Procuradoria-Geral da República, que foram em analisados pelo STF no julgamento de hoje.
As ações pediam que a união estável homossexual fosse reconhecida juridicamente e que os casais homossexuais pudessem ser considerados como entidade familiar. Com o resultado, os casais homossexuais passam a ter direitos, como herança, inscrição do parceiro na Previdência Social e em planos de saúde, impenhorabilidade da residência do casal, pensão alimentícia e divisão de bens em caso de separação e autorização de cirurgia de risco.
Foto: Divulgação/STF
Plenário do Supremo durante o julgamento
Veja como foram os votos de cada ministro:
Ministro Ayres Britto
O relator das ações, ministro Ayres Britto, foi favorável à equiparação de direitos dos casais heterossexuais aos homossexuais no único voto proferido na quarta-feira. De acordo com ele, "a família é a base da sociedade, não o casamento". Britto comentou que não se pode interpretar a Constituição de maneira reducionista ou contra seu princípio. Por isso, ponderou, é inconstitucional o artigo do Código Civil que trata a união estável usando os termos "homem e mulher", uma vez que o texto de tal legislação não tem a mesma complexidade que a Carta Magna.
Ministro Luiz Fux
O ministro Luiz Fux acompanhou o voto do relator Ayres Britto e foi o segundo voto a favor do reconhecimento dos direitos dos casais gays. Fux citou artigo da Constituição dizendo que "todos os homens são iguais perante a lei", não podendo haver diferença legal na união estável entre casais hetero ou homoafetivos. "A homossexualidade não é crime. Então porque o homossexual não pode constituir uma família? Em regra não pode por força de duas questões abominadas pela Constituição: a intolerância e preconceito".
Em seu voto, o ministro destacou um caso que julgou anos atrás, dando conta de uma mulher que queria enterrar o falecido companheiro, mas com ele não possuía laços formais de casamento. Fux disse que naquele caso os laços afetivos e familiares eram maiores que os documentos que comprovassem um casamento, e que o Estado deveria dar proteção àquele casal.
"A união homoafetiva deve ser reconhecida como união estável para efeitos de proteção do Estado", pontuou.
Ministra Cármen Lúcia
Tal como Luís Fux, a ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator da matéria, Ayres Britto, e foi favorável ao reconhecimento legal dos casais gays. "Todas as formas de preconceito merecem repúdio na sociedade democrática", disse.
A ministra também destacou valores republicanos e a impossibilidade de se criar cidadãos de segunda classe na sociedade brasileira. "Se a República põe que o bem de todos tem que ser promovido sem preconceito e sem forma de discriminação, como se pode ter norma legal que conduza ao preconceito e violência? (...) Aqueles que optam pela união homoafetiva não pode ser desigualado em sua vida e seus direitos".
Ministros durante a sessão desta quinta-feira do Supremo
Ministro Ricardo Lewandowski
O voto do ministro Ricardo Lewandowski também foi favorável no sentido de garantir o direito de casais homoafetivos. Mesmo alegando que a existência da união estável foi criada pelo legislador constituinte somente para o homem e a mulher, o ministro disse que há uma nova espécie de entidade familiar que precisa ser reconhecida.
"As uniões de pessoa do mesmo sexo que duram e ostentam a marca da publicidade, devem ser reconhecidas pelo direito (...) Cuida-se, em outras palavras, de retirar tais relações que ocorrem no plano fático da clandestinidade jurídica, reconhecendo a existência do plano legal enquadrando-o no conceito abrangente de entidade familiar", disse.
Lewandowski alegou, contudo, que a decisão da Justiça deve ser entendida como transitória, valendo até a criação de lei específica para tratar das uniões homoafetivas. "Em suma, reconhecida a união homoafetiva como entidade familiar aplica-se a ela as regras do instituto que lhe é mais próximo, ou seja, a união estável".
Ministro Joaquim Barbosa
Com o voto favorável de Joaquim Barbosa chegou a cinco o número de ministros favoráveis à proteção do Estado para os casais homoafetivos. De acordo com ele, é preciso que a Justiça corrija uma situação prática para a qual não há previsão legal. "Estamos aqui diante de uma situação de descompasso em que o direito não foi capaz de acompanhar as profundas mudanças sociais. Essas uniões sempre existiram e sempre existirão".
Ministro Gilmar Mendes
Sessão desta quinta-feira
Em seu voto, Gilmar Mendes procurou não se estender aos eventuais desdobramentos do reconhecimento da união estável. Ele citou, por exemplo, o caso de Portugal, em que há uma lei que disciplina o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas ainda há controvérsias naquele país sobre a adoção de crianças pelo casais homoafetivos.
"Eu neste momento me limito a reconhecer a existência dessa união por aplicação analógica ou mesmo extensiva da cláusula do texto constitucional sem me pronunciar sobre outros desdobramentos".
O ministro também destacou que a falta de uma previsão legal para a união homoafetiva leva a eventuais quadros de discriminação e, em seu voto, ainda rebateu críticas de que o STF estaria legislando no lugar do Congresso Nacional.
"A falta de um modelo institucional que proteja essa relação estimula e incentiva o quadro de discriminação. (...) É dever do Estado a proteção, e é dever da Corte dar essa proteção se ela não foi engendrada ou concebida pelo órgão competente. Por isso não me parece que haja exorbitância", disse.
Ministra Ellen Gracie
Logo após o voto de Gilmar Mendes, a ministra Ellen Gracie fez um rápido pronunciamento e também acompanhou o relator. Com isso, chegou a sete os ministros que se posicionaram a favor da proteção do Estado aos casais de pessoas do mesmo sexo. "Uma sociedade descente é uma sociedade que não humilha seus integrantes", disse a ministra.
Ministro Marco Aurélio Melo
O ministro Marco Aurélio Mello acompanhou o relator, Ayres Britto, e também foi favorável ao reconhecimento da união estável para casais homoafetivos. Segundo ele, a Constituição não permite discriminação, por isso deve se equiparar o direito de todos os cidadãos. "A Constituição de 1988 permite a união. Essa é a leitura que faço da Carta e dos valores por ela consagrados", disse.
Ministro Celso de Mello
Para o ministro Celso de Mello, o julgamento no Supremo Tribunal Federal é "um marco histórico na caminhada da comunidade homossexual no País". Mello destacou que o reconhecimento da união também representa um "avanço significativo" contra o preconceito no Brasil e "ninguém, muito menos os juízes, podem fechar os olhos para essa nova realidade".
"A extensão às uniões homoafetivas do mesmo regime jurídico aplicado a pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direita incidência dos princípios da igualdade, liberdade, não discriminação, segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que é o direito à busca da felicidade".
Ministro Cézar Peluso
Em seu voto, o presidente da Corte, Cézar Peluso, destacou que a união de pessoas de sexo diverso guarda analogia com aquelas de pessoas do mesmo sexo. Mas fez uma ressalva: "Desde que duas pessoas, somente".
Ele também fez uma convocação ao Congresso Nacional pedindo que este legisle sobre o assunto e enfrente essa questão que ainda "não se sentiu propenso a fazer". Por fim, concluiu o julgamento dizendo que "as normas constitucionais não excluem outras modalidades de entidade familiar (...) Os elementos comuns de ordem afetiva e material de união de pessoas do mesmo sexo guarda exatamente uma comunidade com certos elementos da união estável entre homem e a mulher".
Foto: Divulgação/STF
Plenário do Supremo durante primeiro dia de julgamento, na quarta-feira
Sessão de quarta-feira
O STF iniciou nesta quarta-feira o julgamento com a exposição de pontos de vista a favor e contra o tema. Para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, reconhecer união é acabar com cidadãos de 2ª classe. Já a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se mostrou contra o reconhecimento. O advogado que representa a entidade disse que não se trata da luta do bem contra o mal, mas de um princípio impeditivo constitucional.
Com a votação, a decisão sobre a equiparação de direitos terá efeito vinculante, sendo adotada em outros tribunais e órgãos administrativos da União. Isso significa que o STF vai estender aos casais homossexuais 112 direitos que até hoje só eram concedidos às uniões do mesmo sexo, segundo a especialista em direito homoafetivo e vice – presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Maria Berenice Dias.
Os homossexuais poderão, por exemplo, pedir pensão em caso de separação e receber benefícios como dependente do companheiro que é servidor público. De acordo com Maria Berenice, muitos desses direitos já vêm sendo garantidos por outros tribunais em casos isolados. Alguns órgãos do governo também reconhecem a união do mesmo sexo. É esse o caso da Previdência Social, que concede ao parceiro gay a pensão por morte e permite a declaração conjunta do imposto de renda.